domingo, 28 de outubro de 2012

O BARCO QUE VIROU MANJEDOURA

Muda a hora, mas não muda a mania de içar da cama ainda a noite é uma criança! Para não incomodar quem  ainda dorme, é o tempo de engolir uma bucha, tratar do cão, e aí vai ele caminhar, chova ou faça Sol. Hoje para não fugir á regra saí pelas seis, e fui até ao Monte Estoril onde deixei o cavalo a pastar, depois foi caminhar  pelo paredão até Cascais, passei pela Praia dos Pescadores onde vi e fotografei um castelo de areia muito bem feito, subi até ao Quartel Militar, donde assisti ao nascer do Sol, ( isto já é maluqueira, o gosto que tenho de o ver «nascer») mas cada maluco tem as suas manias e eu não podia escapar).

Aqui junto ao Quartel está uma Estátua de D. Carlos, que foi um Homem ligado ás coisas do Mar, como se pode ver no Aquário Vasco da Gama, onde existem bastantes elementos a confirmarem isso mesmo, depois passei por alguns locais com coisas alusivas ao Mar, (não é de admirar sendo esta Terra poiso de Pescadores com Lota e tudo), ia caminhando e recordando que também eu andei ligado ao Mar, embora a maior viagem que tenha feito em águas salgadas tenha sido o atravessar o Mar da Palha frente a Lisboa para a outra banda, ou seja Alfeite ou Cacilhas, mas tudo isto teve o seu principio, e esse foi em Vila Verde dos Francos, há mais de meio século.

Há dias, encontrei lá o Jeca, que já não via há alguns anos, pois tem estado emigrado nos Estados Unidos, e eu imigrado aqui em Oeiras, após aquele abraço da ordem, e de algumas palavras de circunstância lança-me a pergunta: ainda te lembras do Barco que construimos? claro que me recordo, aliás mesmo que me tivesse esquecido o nosso Amigo Eusébio fala-me disso frequentemente, como sendo a grande aventura da nossa Juventude. Dessa empreitada, da construção do Navio  herdeiro do famoso Titanic é que me veio a paixão pelo Mar, e daqui para a nossa Armada foi um pequeno salto.

Mas talvez valha a pena contar esta aventura que em Rapazes nos propusemos para, quem sabe seguir as pisadas dum Vasco da Gama, ou dum Infante D. Henrique.
Nessa época de finais dos anos cinquenta do século passado, andavam em obras na Igreja Matriz de Vila Verde, e eu e os meus Amigos montámos o Estaleiro com tábuas e pregos já usados, da dita obra, e assim começámos a construção do Transatlântico, era uma trabalho árduo que tinha-mos pela frente, mas não desanimámos e concluímos o trabalho que nos propusemos dentro do prazo previsto, agora só faltava colocar o Paquete na água para ver se flutuava, e poder-mos com segurança fazer-mo-nos ao Mar, para quiçá descobrir novos Países, como fizeram os nossos antepassados.

O local escolhido para o evento foi o «Poço Grande» na Várzea, localizado em terras dos meus Avós, poço esse aberto pela acção ao longo dos séculos de uma pequena queda de água no nosso Rio Alcabrichel, e que teria para aí uns dez metros quadrados, mas que, apesar da sua pequena dimensão não tinha obstado a que servisse para eu aprender a dar as primeiras braçadas, que fariam de mim o segundo Baptista Pereira.
Assim, e na falta de um reboque que para lá levasse o Navio, foi mesmo transportado por nós, com dificuldade é certo, mas chegou são e salvo, foi colocado na água, mas azar dos azares não flutuava, quer dizer flutuava mas ficava cheio de água, decerto em resultado das más uniões das tábuas. Por lá estivemos em conferência (a Democracia ali já funcionava em pleno) e ao fim de algum tempo e de algumas discussões mais acaloradas, e votação de braço no ar, decidimos que o melhor era colocar umas pedras no dito e deixá-lo no fundo do rio alguns dias para ver se a madeira inchava para colocar então o Barco flutuar.

Assim fizemos, e passados uns dias pusemos-nos ao caminho, e lá fomos até ao «Poço Grande» colocar o fruto do nosso trabalho a flutuar, mas para surpresa nossa o Navio tinha desaparecido, mas como é que isto aconteceu? se tivesse chovido até podia ter ido rio abaixo, mas não choveu, saímos dali desolados e prontos a investigar  o desaparecimento da máquina até ao fim, custasse o que custasse, nem que tivessemos de contactar o Regedor e o Cabo Chefe, tínhamos de descobrir quem nos afanou o Barco, não foi preciso muito para descobrir o que tinha acontecido, cheguei junto do meu Tio Júlio , que cultivava as fazendas ali junto ao Poço e perguntei-lhe se não tinha visto ali no fundo o nosso Barco, que sim, viu e achou que iria dar jeito ao Sobrinho e meu Primo António, para a manjedoura do burro, então e agora? agora não tinha jeito ir tirá-lo ao pobre do burro, que já se tinha habituado àquela manjedoura, e podia estranhar e recusar-se a comer, assim como que uma greve da fome, e o burro fazia mais falta que o Barco, bem insisti mas nada a fazer, e assim terminou a nossa aventura do transatlântico, mas começou aí a minha paixão pelo Mar que, afinal, tal como nesta aventura, também falhou totalmente.

3 comentários:

Edum@nes disse...

O barco que não flutuou
No fundo do dum poço colocado
Transformado em manjedoura do burro ficou
Antes de ter naufragado!

Já naquele tempo dizia Virgílio
Custasse o que custasse
Apresentaria queixa se o barco no rio
Não encontrasse!

No rio ou no poço
Onde antes o tinha deixado
Construído com tanto esforço
O barco em manjedoura transformado!

Belo conto amigo Virgílio. Terás muitos mais para nos contares, enquanto por cá andarmos!

Boa noite para ti,
um abraço
Eduardo.

Tintinaine disse...

Vocês chateados e o burro feliz da vida com a manjedoura nova!
Fazes bem em recordar estas histórias para manter os neurónios a funcionar.

António Querido disse...

Continua a tirar o nariz fora das mantas cedo e a meter a massa muscular a funcionar, ver o fenómeno do nascer do sol é muito agradável, não percas essa mania porque é saudável...Quem me dera que os meus neurónios me dessem para isso, mas pelo contrário e talvez porque passei 37 anos a meter-me logo de manhã, dentro de uma câmara frigorífica,fiquei com pavor a frio e só me levanto quando vejo o sol entrar-me no quarto, achei engraçada a história do teu barco, porque me lembrei daquele que o nosso Coelho está a construir, ninguém vai conseguir navegar nele, servindo apenas de manjedoura aos que estão dentro dele.
O meu abraço