sexta-feira, 7 de junho de 2013

FERNANDO DACOSTA




Eis a história do recoveiro que se meteu a transportar ao lombo do jumento sacos de mercadoria a mais. Para mostrar eficácia aos mandantes, carregou-o sem prudência, não levando em conta as forças do jumento.
Ajoujado, este foi solavancando a sua triste sina de asno. A avidez do recoveiro não tinha, porém, limites: ao ver o jerico tropeçante, quase exangue, parou-o e, malvado, pôs-lhe um novo e pesado saco em cima. O pobre tremelicou. E só as infames chicotadas do brutamontes o fizeram mover, ziguezagueando, tropeçando, resfolegando. Uma dor de alma tamanha exploração – e estupidez, pois a dimensão do sacrifício iria acabar, via quem quisesse ver, por matar o transportador, ou seja o negócio.


Estranhamente, isso agradava aos referidos mandantes, que, amiúde, faziam divulgar, repetindo, intensificando, elogios à determinação e à coragem do seu capataz. Enquanto a vítima fenecia, o verdugo sorria.
De repente o bicho ajoelhou. O homem olhou-o apreensivo. Ao ver-se cercado de apupos violentos de populares, encolheu prudentemente a arrogância.
Nisto ouviu-se o toque do seu telemóvel. Quando ele o atendeu, distinguiu-se uma voz de estridências germanizadas.



O recoveiro hesitou. Depois, decidido, tirou o saco (o último) que colocara no dorso do jerico, que, ao sentir o alívio, logo se levantou e se pôs a caminhar, ligeiro, sem sentir que continuava a alombar com (toda) a carga inicial.
O saco suplementar fora apenas um truque, confirmou o homem rendido à perspicácia dos seus patrões alemães no lidar com os quatro patas do Sul da Europa.

Texto publicado ontem no Jornal i de ontem, da autoria de Fernando Dacosta, com fotografias minhas.


4 comentários:

Edum@nes disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Edum@nes disse...

Assim nos quer fazer negociante louco demudado, a correr não sei para onde, leva nada, de medidas repressivas regressa carregado. As tenta impor sem limites, sem ter em conta as consequências. O malvado seja impedido, porque os burricos não aguentam mais.Ao recoveiro que me refiro, todos sabem que ser. Continua,temosamente, sem hesitar. Mais teimoso do que uma porta que, brutamente, tenta fechar, quando ela aberta deve estar. Diz que não tem medo, então porque anda rodeado de seguranças! Cabardias do melro são tantas, feita à revelia, suas leis desastrosas. Continua a mergulhar o país na pobreza. Todavia, continua a apregou ao contrário. É vigário com certeza, com ideias dantes nuncas vistas, por idiotas e vigariasta estamos a ser governados

Tintinaine disse...

Nós continuamos a atirar-lhes com palavras à cara e não acredito que consigamos resolver o problema dessa maneira. À bala era mais seguro, mais rápido e mais barato.

António Querido disse...

Extraordinário tema!
Vamos ver até quando aguentamos a carga, vem aí a greve geral, mas o chicote já anda no ar, contra os professores e funcionários públicos em geral, que são quem mais tem levado com ele no lombo.
Bom fim de semana