Há dias, uma Amiga recordou (num comentário a uma mensagem que escrevi), a minha passagem pela Torre do Tombo, assim hoje vou escrever umas letras sobre esta Instituição riquíssima de documentação sobre o nosso passado.
O Arquivo original estava sediado no Castelo de São Jorge á data do grande Terramoto/ Maremoto que praticamente destruiu Lisboa no ano de 1755, era então o seu guarda-mor, Manuel da Maia, engenheiro-arquiteto de profissão, a ele se deve o projeto do Aqueduto das Águas Livres, Estátua de D. José no Terreiro do Paço entre outras obras importantes, este Homem que ao tempo tinha a bonita idade de 75 anos, abandonou a sua casa em chamas nesse dia do terramoto e foi salvar a documentação á sua guarda no Castelo, a Torre onde estavam os documentos ruiu, pelo que a seu pedido foi construída no Castelo uma casa de madeira para guardar os milhares de documentos já existentes na época, de seguida e após várias cartas enviadas ao Primeiro Ministro de então, o Marquês de Pombal, este deu ordens para o acervo ser instalado no Palácio de São Bento, local onde prestei serviço no inicio dos anos 70 do século passado.
Feita uma resenha do Arquivo que entretanto se mudou no inicio dos anos 90 para um Edifício construído de raiz para esse fim, situado na Cidade Universitária ao Campo Grande, com as condições que S. Bento não tinha para preservar toda a documentação em bom estado, pois ali muitos livros e documentos estavam em caves, que apesar dos equipamentos de desumificação, e a constante desinfestação para afastar-matar a bicharada comedora de papel, era impossível manter em bom estado de leitura-conservação todos os milhares de livros documentos e gravuras.
Agora a minha estadia por lá, que tinha que ter também alguma história, ou não andasse esta a perseguir-me desde sempre: A minha entrada foi muito complicada, apesar da cunha do meu Amigo Dr. Gusmão, que era inspector no Ministério da Educação, ao qual o Arquivo estava subordinado na altura, a informação que todos os candidatos a Funcionários Públicos tinham de ter da P.I.D.E. não era favorável, eles lá tinham as suas razões, assim lá tive de meter outra cunha desta vez ao meu Amigo Fernando Monteiro de Paço de Arcos, o Pai era inspector dessa Policia Politica, e foi após esta diligência que finalmente pude tomar posse como funcionário da Torre do Tombo, estávamos então a 23-4-1971.
Ao tempo a grande maioria de Funcionários eram Mulheres, havia três licenciados Bibliotecários Arquivistas, o Director, José Pereira da Costa, Dr. Alcino Silva, e Dr. Jorge Hugo Pires de Lima, estes dois últimos Homens com H grande, havia também (se a memória não me falha umas duas ou três Mulheres Arquivistas) isto no «pessoal superior» já no chamado «pessoal menor» várias Mulheres, e três Homens, eu o Guedelha para facultar a documentação para a sala de leitura, e um porteiro.
O Director não gostava do Guedelha, (fez-lhe a vida negra até este pedir transferência para a Assembleia Nacional) e talvez por esse facto dava-me serviços de mais responsabilidade, apesar do pouco tempo de serviço que eu tinha, ao contrário do meu colega, e um dia chama-me ao gabinete e diz-me, parque não tira a carta de condução? Nesses tempos era um luxo a que nem todos podiam chegar) respondi-lhe que não tinha carro nem dinheiro para o comprar e portanto estava fora de questão enquanto não ganhasse mais umas coroas! Diz-me então que se eu tirasse a carta, depois podia fazer-lhe uns serviços extras especialmente quando era convidado com a Mulher para diversos eventos (a Mulher também era directora duma Biblioteca Publica mas não recordo de qual) concordei e fui tirar a carta, mas entretanto o homem mudou de carro, e comprou um de três portas, o que me deixou de pé atrás, de facto não estava a ver eu a conduzir um carro em que ele a mulher ou os dois tivessem de levantar o banco da frente para se sentarem no de trás, mas ver para crer é o melhor remédio.
Entretanto o Director vai de férias e simultaneamente também vai o porteiro, e ao contrário do que era habitual determina que sou eu a ficar no lugar do porteiro na ausência deste, a minha tarefa era abrir e fechar as portas do Edifício e identificar os Leitores que se dirigiam á Sala de Leitura.
Quando regressa de férias chama-me ao gabinete e dispara, fui informado que o Sr. fechava a porta antes das 16 horas (esta era a hora do fecho e saída do Pessoal) o que tem a dizer? Apanhado de surpresa respondi, olhe se fechava antes das 16 horas é porque já não estava cá ninguém, nem funcionários muito menos Leitores, mas passada a surpresa e antes que ele digerisse a resposta, disse-lhe, o Sr. tem duas maneiras de saber se isso é verdade, ir ali á Casa da Guarda e saber se eu lá entregava a chave antes dessa hora, ou chamar aqui e agora, o Dr. Pires de Lima (tinha sido o substituto do director na sua ausência), ele diz-me que depois falava com ele, mas eu que nunca fui de meias tintas disse-lhe; eu não saio daqui do gabinete sem a presença dele, quero isto esclarecido, e já, ele viu que eu não estava propriamente a brincar e mandou chamar o seu substituto, e eu próprio iniciei a conversa.
Dr.. Pires de Lima, aqui o Sr. Director acusa-me de fechar a porta antes das 16 horas, o que tem a dizer? Este Homem, que eu já tinha por integro respondeu sem vacilar que nesse caso também era ele que estava em questão e queria esclarecer o assunto ali mesmo, mas o outro já tinha ido longe de mais e deu o assunto por encerrado, que tinha sido um mal entendido, blá, blá, blá, mas para mim não havia volta a dar, a partir do momento em que tinha colocado a minha honorabilidade em questão não trabalharia nem mais um dia ali, ainda na presença do Dr. Pires de Lima pedi a demissão, o homem ainda pôs os pés pelas mãos desculpando-se, e que não era caso para demissão, mas não voltei com a palavra atrás, e foi assim minha entrada, muito complicada, e a saída sem complicação nenhuma.
Aqui ficam alguns documentos e gravuras que se encontram á guarda da Torre do Tombo, como o documento da morte da Beata Jacinta emitido pelo Hospital de S. José, gravuras do Livro das Aves, dos mais importantes do Arquivo, e fechado a sete chaves na casa forte, imagem do S, António de Lisboa, gravura do maremoto de 1755, assinaturas de: Manuel da Maia e do meu conterrâneo Damião de Góis, Documento de abolição da escravidão, e por último um documento da P.I.D.E. a impedir a saída do País da Esposa do Miguel Torga.
Entretanto o Director vai de férias e simultaneamente também vai o porteiro, e ao contrário do que era habitual determina que sou eu a ficar no lugar do porteiro na ausência deste, a minha tarefa era abrir e fechar as portas do Edifício e identificar os Leitores que se dirigiam á Sala de Leitura.
Quando regressa de férias chama-me ao gabinete e dispara, fui informado que o Sr. fechava a porta antes das 16 horas (esta era a hora do fecho e saída do Pessoal) o que tem a dizer? Apanhado de surpresa respondi, olhe se fechava antes das 16 horas é porque já não estava cá ninguém, nem funcionários muito menos Leitores, mas passada a surpresa e antes que ele digerisse a resposta, disse-lhe, o Sr. tem duas maneiras de saber se isso é verdade, ir ali á Casa da Guarda e saber se eu lá entregava a chave antes dessa hora, ou chamar aqui e agora, o Dr. Pires de Lima (tinha sido o substituto do director na sua ausência), ele diz-me que depois falava com ele, mas eu que nunca fui de meias tintas disse-lhe; eu não saio daqui do gabinete sem a presença dele, quero isto esclarecido, e já, ele viu que eu não estava propriamente a brincar e mandou chamar o seu substituto, e eu próprio iniciei a conversa.
Dr.. Pires de Lima, aqui o Sr. Director acusa-me de fechar a porta antes das 16 horas, o que tem a dizer? Este Homem, que eu já tinha por integro respondeu sem vacilar que nesse caso também era ele que estava em questão e queria esclarecer o assunto ali mesmo, mas o outro já tinha ido longe de mais e deu o assunto por encerrado, que tinha sido um mal entendido, blá, blá, blá, mas para mim não havia volta a dar, a partir do momento em que tinha colocado a minha honorabilidade em questão não trabalharia nem mais um dia ali, ainda na presença do Dr. Pires de Lima pedi a demissão, o homem ainda pôs os pés pelas mãos desculpando-se, e que não era caso para demissão, mas não voltei com a palavra atrás, e foi assim minha entrada, muito complicada, e a saída sem complicação nenhuma.
Aqui ficam alguns documentos e gravuras que se encontram á guarda da Torre do Tombo, como o documento da morte da Beata Jacinta emitido pelo Hospital de S. José, gravuras do Livro das Aves, dos mais importantes do Arquivo, e fechado a sete chaves na casa forte, imagem do S, António de Lisboa, gravura do maremoto de 1755, assinaturas de: Manuel da Maia e do meu conterrâneo Damião de Góis, Documento de abolição da escravidão, e por último um documento da P.I.D.E. a impedir a saída do País da Esposa do Miguel Torga.
6 comentários:
Gostei de ler a tua história e a passagem pela Torre do Tombo, particularmente aquela carta do meu conterrâneo: DR. Adolfo Correia Rocha (Miguel Torga), BOM TRABALHO,amigo Virgílio! O meu abraço.
Boa tarde amigo Virgílio, o homem dos sete ofícios. Gostei da tua atitude, mas não seria caso para pedires a demissão, o homem que te fez a acusação provado de que não era verdade, ele próprio, te deveria ter pedido desculpas. Se calhar foi a seguir ao almoço e o caldo lhe terá feito mal. Trabalhavas próximo do Salazar, será que alguma vez o viste?
Quando eu era rapaz não me lembro quantos anos teria quando foi inaugurada a Barragem de Campilhas, próximo do Cercal do Alentejo, fui lá só para ver o Salazar, mas só vi polícias. Ninguém chegava perto do local onde era suposto estar o dito ditador!
Parabéns pelo texto bem escrito.
Bom fim de semana para ti amigo Virgílio, um abraço.
Eduardo.
Volto para dizer o ano do projecto da Barragem de Campilhas 1941. Ano da conclusão 1954, portanto tinha eu 12 anos de idade!
Amigo Eduardo
Nunca vi o Salazar, pois ele já tinha caído da cadeira, o que aconteceu em Agosto de 1968, eu fui nomeado a 11/12/1970, mas por causa da embrulhada com a P.I.D.E. só tomei posse em finais de Abril do ano seguinte, entretanto o ditador já tinha entregue a alma ao Criador em finais de Julho de 1970, recordo bem o dia do funeral, trabalhava nessa altura numa oficina automóvel em Paço de Arcos e no dia do funeral a oficina fechou para o pessoal se ir despedir do «botas» ao Mosteiro dos Jerónimos, onde foi o velório.
Era portanto Primeiro Ministro quando trabalhei em São Bento, Marcelo Caetano, e de qualquer modo, embora muita Gente pense que a residência do Primeiro Ministro é no Palácio, mas não, é na área reservada dos Jardins do Palácio, mas num Edifício separado, e que dá para as traseiras do Palácio, nesse Palacete é que habitou Salazar.
Por acaso eu sei que a residência do primeiro-ministro não é dentro do Palácio de São Bento, mas sim é como referes num palacete situado no jardim das traseiras do Palácio. Lembro-me que o meu primeiro serviço que fiz como polícia foi precisamente, das 01h00 às 05h00, do dia 26/27 de Dezembro de 1966.
Entre o Palácio e a dita residência.
Bom fim de semana, um abraço.
Eduardo.
Mais um capítulo para o livro das tuas memórias.
Em quantas páginas já vais?
Ainda bates o record do José Rodrigues dos Santos!
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