Pertenço a uma geração que teve de se desenrascar.
A Santa da minha Mãe, pariu-me de cócoras. Quando se sentiu á rasca,
muniu-se da tesoura e do baraço e fez tudo sozinha. Chegou por casualidade
uma vizinha e ajudou aos últimos preparativos, talvez um caldo de galinha
velha, que era o prémio de qualquer parturiente.Hoje, as que se rotulam de à
rasca têm seis meses de licênça de parto. Essa vizinha, que durou cento e tal
anos, passou a vida a contar-me isto, vezes sem conta.
Aos miúdos, faziam uns calções com uma abertura na retaguarda, e,
quando estivessem á rasca, baixavam-se, o calção abria e fazia-se em escape
livre e, andava sempre arejado.
Aos dezasseis anos, ainda o comboio de mercadorias passava no Outeiro da Cabeça e tive
de fazer cargas e descargas dos vagões para a furgoneta do «Maneliques» e desta para as casas dos Agricultores. Os adubos vinham
em sacos de
mais velhos sabem do que falo, o trabalho era duro as sopas fracas, e o conduto, quase sempre em «greve».
A mesma geração, fez as três frentes da guerra colonial, morreram nove
mil e quinze mil ficaram mutilados e a cair aos bocados, chamam-lhes Heróis,
mas dizem! desenrasquem-se!
O 25 de Abril foi feito por essa mesma geração, bons líderes, povo unido
e desenrascaram-se! muito bem.
E foi a debandada da emigração para toda a Europa, e não só, ( quase sempre a salto) atravessando
montes e vales íamos chegando a todo o lado. Vivíamos em contentores e
barracas, o tacho onde se lavavam as batatas era o mesmo para se lavar o
nariz, mas não nos desenrascámos nada mal.
Depois veio a geração rasca. Drogas, rendimentos mínimos e vergonha
de trabalhar.
Agora, dizem ser a geração à rasca, querem ser todos Doutores,
arrastam-se anos à volta dos cursos, os parques universitários estão cheios de
carros de luxo, ficam por casa dos Pais até aos trintas e “quem aos vinte não é,
aos trinta não tem, aos quarenta já não é ninguém”.
São uns enrascadinhos, não querem assumir a responsabilidade de
uma família, vagueiam de noite, dormem de manhã e a Mãe chama-os para
almoçar. O Pai vai recheando a conta, porque um Pai é um banco
proporcionado pela natureza.
Eu não quero medir tudo pela mesma bitola e acredito muito na
juventude, aconselho-os a que se caírem sete vezes se levantem oito, porque o
Governo está à rasca, a oposição está enrascada e a juventude não se
desenrasca.
Os que cantam, Homens da Luta, é uma luta sem comandantes e o povo
vencido jamais será unido.
Façam pela vida e não esperem que o Mar arda para comerem peixe grelhado.
4 comentários:
Ah valente Virgílio! E querias tu desistir de dar o teu contributo nestas lides. Já viste o que se perderia?
Este teu texto devia figurar num dos semanários que se vendem nas bancas deste país, ao fim de semana. Muitas crónicas que lá aparecem não chegam aos calcanhares desta tua peça.
Parabéns!
Tenho lido pensamentos que proválvelmente ficarão na história, mas esta... "Façam pela vida e não esperem que o mar arda para comerem peixe grelhado"... É UMA FRASE QUE DEVIA SER POSTA EM TODAS AS ESCOLAS PORTUGUESAS... E não duvidem da eficácia!
Valdemar Alves
Amigo Virgílio, antes de dizer alguma coisa àcerca do que escreveste deixa que te dê os parabéns,reavivaste um pouco do meu passado, o desenrasca-te foi a palavra que sempre ouvi durante a minha vida, até essa de atravessar fronteiras de salto me diz muito, estou convicto que os nossos jovens depois de darem algumas cabeçadas na vida irão aprender a lei do desenrasca, os papás não duram sempre!
Essa do mar nunca ouvi, mas concordo com o amigo Valdemar Alves, devia ser afixada nas escolas!
Tuas ideia acertadas
O país não está à rasca
Quem está na garganta com o nó
Com as tomadas medidas
Que tem peso superior ao da mó
Pensa se quiseres no que digo
Olha que os governantes do povo não tem dó
Contra eles nesta luta estou contigo
Mesmo que não acredites em mim
Nem naquilo que te digo
De mão dadas contra eles até ao fim.
Pensas bem, escreves melhor
Sabes o que dizes e o que queres.
Parabéns pelo texto, está conforme.
Um abraço
Eduardo.
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