Ontem li uma entrevista que o Sr. Edmundo Pedro deu ao Sapo, e que vou aqui reproduzir, para os mais antigos não esquecerem, e os mais novos tomarem conhecimento desta página negra dos quarenta e oito anos de regime Salazarista, continuado por Marcelo, que não teve arte e engenho para mudar o que de pior tinha o regime, apesar de algumas boas intenções mas que não passaram disso mesmo.
Mostro aqui uma foto da chegada dos restos mortais de 32 Ex-Prisioneiros do Tarrafal, no ano de 1978, ( tal como nas guerras de África onde quem lá morria, lá ficava, aqui também o mesmo acontecia, só se lamenta, que tal como aqui, os nossos Militares que ainda por lá estão enterrados, as nossas autoridades do pós 25 de Abril ainda não tenham executado a tarefa de os trazer de volta ás suas Famílias, só em Angola ficaram 1448 Militares ) como se pode ver está em primeiro plano o Ex-Presidente da Câmara de Lisboa Cruz Abecassis, entre outros Políticos, que receberam os restos mortais dos ex-Prisioneiros que morreram no Tarrafal.
Os ideais comunistas não esmoreceram com o tempo de cárcere, talvez tenham até ficado fortalecidos e logo que saiu
A liberdade perdida aos 17 anos
O jovem Edmundo tinha 17 anos e uma vontade enorme de resistir ao Governo que vigorava. As suas pretensões e as dos que, como ele, se opunham ao Regime tinham de ser combatidas. “Tinha havido a Guerra Civil de Espanha. E eles (o Governo português) queriam aterrorizar a oposição em Portugal”. É assim que Edmundo Pedro explica as razões que levaram Salazar a decretar a construção do Campo do Tarrafal, também conhecido como Colónia Penal do Tarrafal.
Os tempos eram difíceis para quem não concordava com as políticas da altura e Edmundo foi preso novamente em Janeiro de
“Nós fomos em classe de boi”
A viagem foi feita num “ambiente sufocante”, porque muita gente, explica minuciosamente Edmundo, “enjoava, vomitava e nunca se pôde lavar aquilo”. “Fomos em classe de boi”, afirma Edmundo Pedro. E não se pense que é uma força de expressão: “Naquele porão onde se transportavam os bois fizeram uma série de beliches de madeira, uns por cima dos outros e deitaram creolina para desinfectar. Mas o cheiro a azedo superava o odor do desinfectante.” Foram onze longos dias a bordo do navio “Luanda”, até chegarem a “um rectângulo cercado por arame farpado”.
Passaram 75 anos, mas Edmundo detalha tudo como se tivesse vivido a chegada ao Campo há meia dúzia de semanas. “Era uma instalação muito rudimentar. Tínhamos direito a dois ou três púcaros de água por dia”, recorda. No princípio as instalações dos prisioneiros eram umas “barracas de lona”, mas ao fim de um ano e meio apodreceram, devido ao tempo e à chuva. “Na fase final das barracas dormíamos ao relento, chovia lá dentro”, lembra. Depois construíram “barracões de pedra e cimento”, que perduram até hoje.
A primeira fuga
Não há prisão que não tenha histórias de fugas (Ver vídeo “A fuga que acabou na ‘Frigideira’”), ou pelo menos de tentativas. O Campo do Tarrafal não é diferente e ao longo dos anos foram várias as vezes que os prisioneiros tentaram evadir-se. “Ao fim de um ano tentámos uma fuga colectiva. Havia 40 homens que iam assaltar a casa da guarda e o quartel”, recorda. O pai de Edmundo, que também estava detido no Tarrafal e que também foi um dos primeiros 152 prisioneiros a chegarem ao “Campo da morte lenta", era um deles. Edmundo ficou com a tarefa de vigiar a entrada da Colónia.
A noite já levava algumas horas e a evasão estava quase a dar-se quando Edmundo viu um guarda aproximar-se da entrada do Campo, acompanhado por um cabo-verdiano que carregava uma saca às costas. Edmundo deveria ter avisado os homens que se preparavam para fugir que algo de anormal se passava, mas não o conseguiu fazer a tempo. Quando o guarda chegou à cozinha, para colocar o grão que estava dentro do saco de molho, deparou-se com 40 homens que não podiam estar ali.
O alerta foi dado. As metralhadoras começaram a disparar para todos os lados. Houve um prisioneiro que, por instinto, colocou um prato na cabeça e outro junto ao coração. No meio da aflição todos os meios parecem válidos para tentar não morrer. Edmundo também escapou. “É engraçado como me lembro tão bem do que fiz. Deitei-me na cama e deixei-me estar. Foi a maneira que arranjei para oferecer o menor alvo possível às balas”, explica.
Se pudessem imaginar o que os esperava depois da fuga falhada, talvez não tivessem tentado fugir. O director do Campo mandou construir uma vala profunda em redor do local. A ideia era complicar a vida aos aventureiros que tentassem sair dali a qualquer custo. Foram momentos difíceis os que se seguiram. “Não sei se podem imaginar o que é estar no fundo de uma vala de quatro metros, onde o Sol se concentra… O que é que aconteceu?”, questiona retoricamente Edmundo. “É fácil. Começámos a cair todos para o lado, doentes. Eu fui dos últimos a resistir, mas também caí. De 170 (o número de prisioneiros que já estavam no Campo nessa altura), só ficaram seis ou sete
A vida a que se habituaram
Numa semana de trabalhos para construir o fosso morreram seis pessoas. “É o chamado ‘Período Agudo’”, explica Edmundo. Os trabalhos, os do fosso e outros a que os prisioneiros eram obrigados, eram duros, mas Edmundo conta que se foram habituando: “Depois fomo-nos adaptando àquela vida. De vez em quando morria um…” Durante os nove anos
A vida dentro da Colónia não era fácil. Mas também não se pode dizer que os prisioneiros não tivessem nada para fazer. “Nos primeiros tempos fiz de tudo. Parti pedra na pedreira, carreguei pedra. Trabalhei nas estradas à volta do Campo”, recorda. E ainda havia uma série de actividades a que os detidos se podiam dedicar: os trabalhos relacionados com a electricidade, a oficina de mecânica e a oficina de serralharia, onde Edmundo Pedro passou bastante tempo, já que era “ajudante” do responsável. Nos últimos dois anos em que esteve detido, Edmundo deixou de trabalhar no Campo. A doença, tuberculose, não o permitia.
Edmundo Pedro foi apenas um entre as centenas de homens que foram deportados para Cabo Verde. Durante os nove anos em que lá esteve acumularam-se as histórias deste homem que, como os outros, fazem parte da História. Quando regressou a Portugal, Edmundo Pedro foi finalmente julgado. Depois de quase 10 anos preso, foi novamente condenado, a 22 meses de “prisão correccional”.
6 comentários:
Esta história de sofrimento, em que o senhor Edmundo e muitos outros condenados por e somente lutarem por aquilo a que tinham direito. Cuja luta destas pessoas estava relacionada com a miséria e a fome de quem trabalhava para encher os bolsos dos poderosos.
É preciso não esquecer estas e outras histórias como esta e lutarmos para que não venha no futuro outras iguais ou parecidas.
A alguns vontade não lhes fartará de nos empurrarem para uma vida de miséria como se vivia nesse tempo do passado, ainda, bem presente nas nossas memórias.
Temos que ter os olhos bem abertos.
Desejo uma boa noite para ti, amigo Virgílio,
Um abraço
Eduardo.
Tempos muito complicados aqueles. Sou da opinião que nunca mais será possível acontecer uma coisa como aquela. Eram outros tempos em que a falta de informação jogava a favor dos ditadores.
Hoje não há ditadores e as coisas não estão nada famosas. De quem será a culpa e como poderemos nós lutar para mudar este estado de coisas, como fez o Edmundo Pedro?
Interessante a descrição da viagem "em classe de boi" para o Tarrafal... Lembro-me que quando fui no Vera Cruz para Moçambique a maioria do pessoal do Exército com excepcão de oficiais e de uma Comp. da PM os pobres dos nossos soldados (sem serem presos políticos) iam precisamente em porões onde dormiam numa série de beliches de madeira enquanto que nós íamos em camarotes... Tenho a certeza que alguém se lembrará disto.
Valdemar Alves
Lembro-me eu amigo Valdemar Alves. É verdade o que escreves. Quando fui para Moçambique, no Navio Pátria dormia-mos nos porões sem condições de higiene. aquilo era uma imundice.
Quando regressei à Metrópole no Navio Vera Cruz, por engano viajei num camarote, cujas condições eram, meramente, melhores.
Um abraço
Eduardo.
Esta discrição do Valdemar Alves e confirmação do Eduardo, posso testemunhá-la, na viagem que fiz no Vera Cruz ia um vizinho meu pertencente ao exército, levou-me ao porão onde eles iam enlatados e a escorregar no vomitado, fugi de lá e levei o meu amigo que passou a maior parte da viagem comigo, eram soldados iguais a nós, porquê um tratamento diferente?
Mas passaram-se tantos anos e a coisa pouco mudou, apenas retiraram os Portugueses de 2ª agora só existem os de 1ª e os de 3ª!
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