quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

"Ó ELVAS Ó ELVAS, BADAJOZ À VISTA"


Nem mais, Badajoz estava ali mesmo á mão de semear, mas por motivos meteorológicos ficámo-nos por Elvas, ou melhor Caia, Elvas já tinha ficado para trás, nessa noite de temporal.
Já contei uma das minhas muitas aventuras que foi a tentativa falhada de atravessar a Fronteira no Caia, quando estava nos Fuzileiros, para me safar ao Serviço Militar que não me estava a deixar respirar, sou galo do campo, fechado não é para mim, esta tentativa de passar a Fronteira deveu-se essencialmente ao receio que tinha de ir bater com os costados no Forte de Elvas, que (devido aos muitos castigos que já tinha) e que era ao tempo, uma espécie de «casa de correção» para os Militares mal comportados, que era definitivamente o meu caso!


Mas hoje não é para falar sobre essa aventura, falhada que quero escrever, antes sobre o Forte de Elvas, ou Forte da Srª da Graça, no dia em que ás voltas aqui pela internet dei com uma entrevista dum antigo Militar que cumpriu parte do serviço Militar nesse Forte de má memória, como Sargento, e que fala abertamente naquilo que ao tempo era segredo, os castigos aos presos dentro do Forte.
Antes de entrar propriamente no tema, recordo que quando fui preso na tentativa de passar a  Fronteira na companhia do meu Amigo Carlos, e após uma noite na P.I.D.E. em Elvas, quando estes descobriram que eu era Militar fui transferido para uma prisão Militar na Cidade de Elvas, o Quartel do Trem, que ao tempo albergava o Batalhão de Caçadores Nº 8.



Aí permaneci cinco dias, até uma ronda da Armada me ir lá buscar, nesse período foram muitas as visitas que tive de Militares que prestavam serviço no Forte, inclusive o médico que lá prestava serviço, questionei-os sobre aquilo que se dizia, em especial quanto ao transporte de barris de água não irem cheios para criar maiores dificuldades de transporte Serra acima, desmentiram, que não era verdade, afinal hoje pela mão de quem lá prestou serviço foi confirmada essa prática, (e outras ainda piores), diz o antigo militar que por dia os presos faziam o percurso do barril, sete vezes, e a água nem era toda consumida, era um castigo para os rapazes aprenderem a ser obedientes, todos os dias 70 Homens tinham essa tarefa/castigo do transporte da água da Fonte do Marechal até ao alto onde está o Forte.

A entrevistadora pergunta se havia mais castigos, sim, quando queriam fugir! Eram colocados durante um Mês numa cela sem luz, e diz "coitaditos nem tinham campo para dormir" deduzo que não teriam espaço nem tarimba para se deitarem, e ali faziam as suas necessidades fisiológicas.
Acrescenta que havia ainda a "casa redonda, que vertia água e os presos tinham de levar com ela"
Foi também questionado quais os crimes que estes presos cometeram para ir para lá, deserção, e fugidas para o Estrangeiro, não havia portanto lá assassinos nem ladrões, muito menos pedófilos, ou maricas que nesse tempo eram livres da Tropa, as penas eram de seis Meses a dois Anos.
Os presos eram denominados de "Incorporados", e quanto á correspondência que escreviam ou recebiam, era toda lida antes de sair de lá, ou na chegada, se vinha alguma coisa contra o regime, não era entregue ao preso, ou nem saía do Forte.


Achei curiosa a maneira como este antigo Militar falou do tratamento dado aos Presos, também Militares, mas presos, passaram já tantos anos e o homem sente-se orgulhoso dos maus tratos físicos e psicológicos praticados contra Pessoas que não queriam ir para a Tropa, foi essa a razão de tantos lá irem parar, não havia ali detidos por delito comum, poderão talvez retorquir que «cumpria ordens» pois também é verdade, mas o orgulho por ordens cumpridas que vão contra o mais elementar tratamento humano, não seria motivo de orgulho para Pessoas bem formadas, diria até que o arrependimento não lhes faria nada mal, não estamos  falar de criminosos, bem sei que num certo período da existência do Forte como prisão Militar havia guerras que mobilizavam praticamente todos os Jovens para servir como «carne para canhão», e a sua tentativa de fugir a estas, independentemente das razões, levaram o governo a criar  Leis de excepção que não deixavam ninguém pôr o pé em ramo verde, mas ouve alguns, muitos, dos seus executores que foram mais papistas que o Papa, que a terra lhes seja leve, escapei de boa, precisamente no ano que o entrevistado lá estava de serviço, estive a um passo de ir fazer companhia aos outros 463 detidos que lá estavam nesse ano!

4 comentários:

Tintinaine disse...

No ano passado estive em Elvas na comemoração do Dia de Portugal e uma das coisas que me mostraram foi o famoso forte, agora completamente abandonado e decrépito. A Câmara bem gostava de o recuperar, mas falta o graveto. Coisas a que já nos habituamos!

António Querido disse...

Eu como militar bem comportado, já estava na reserva do ministério da marinha e fiz um requerimento para me ausentar para o estrangeiro, como fui de salto por Vilar Formoso, levava comigo essa autorização, não fosse o diabo tecê-las, quando me foi exigido já tinha os pés assentes em terrenos de Handaia, aí a Gandarmerie ( posto de polícia francesa), entregou-me um visto para poder circular em França, respirei fundo e fui almoçar pela 1ªvez em França com minha jovem esposa que me acompanhou, fui um felizardo nesta aventura porque ao chegar a Oyonnax, Lyon, já tinha um contrato de trabalho na mesma fábrica da mulher, trabalhámos mas ganhei dinheiro e fui feliz, Obrigado França, obrigado franceses meus amigos, que ainda hoje me pagam mais de reforma em seis anos que lá estive, do que aqui a Segurança Social com 22 anos de descontos.

Edum@nes disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Edum@nes disse...

Ó Elvas ó Elvas, Badajoz à vista.
Assentei praça no B. C, 8
Na camarata onde dormia
Tinha percevejo e muito piolho.

Foi no mês de maio, aguando da feira de S. Mateus, haviam espanholas por todos os cantos. Todos carecas os recrutas, Elas gozavam com malta, aqueles mais atrevidos,picavam-lhes o cu com alfinetes. Resultado foram fazer queixa ao Comandante da Unidade Militar. Tendo sido o castigo aplicado. Enquanto a feira durou não nos deixaram sair do quartel. Eu não piquei o cu de nenhuma espanhola, mas paguei como que se o tivesse picado! Aquele B.C,8, era mesmo uma autêntica lixeira. Os cozinheiros lavavam aqueles panelões com as vassouras de varrer o chão. Um dia disse a um cozinheiro isso não se faz. O gajo ameaçou-me, tive que me calar senão levava na fuça. Doutra vez a seguir ao almoço, um cabo miliciano leva o pelotão para junto da muralha, lado norte, estava muito calor. O espertalhão e sem autorização para o fazer, mandou o pelotão marcar passo. Acontece que eu não estava a levantar os pés como ele desejaria. Disse ele dez cambalhotas já, dei uma e magoei-me. virei-me para ele e disse não dou mais nenhuma. Entretanto chega o Furriel, comandante do pelotão, e perguntou o que é que se passa? Tendo eu respondido, meu Furriel, o nosso cabo miliciano mandou-me dar dez cambalhotas, mas eu só dei uma, não dei mais porque me magoei. Disse o Furriel para mim, sente-se ali à sombra da muralha. Fiz o que ele me mandou fazer. Virou-se para o cabo miliciano e perguntou-lhe quem lhe tinha dado ordens para aquela hora mandar o pelotão marcar passo. que nunca mais o fizesse sem ordens dele. Grande Furriel, tratava-nos como seres humanos que era-mos e somos. O cabo miliciano ficou mansinho.
Boa noite para ti amigo Virgílio, um abraço.
Eduardo.